aqui vem a garota de cabelo rosa
todos estão olhando pra ela
pro seu cabelo rosa
mas ao contrário do que acredito ser a maioria,
eu noto que seu andar, aquele cabisbaixo
os olhos e cabeça em direção ao chão, como se tivesse medo de tropeçar em algo
os ombros caídos
como se estivesse cansada de tudo e quisesse estar em qualquer lugar que não fosse aquele
com suas roupas pelo menos três vezes maiores que seu tamanho e all star preto
ela estava diferente agora
e não era a cor de seus cabelos.
era a insegurança.
a vergonha era perceptível em todo o jeito que ela se movia e falava com outras pessoas
e para mim era interessante pensar em como alguém tem tamanha coragem em pintar assim os cabelos
e tanta vergonha em enfim mostrá-los
ela estava sempre lá
com seus fones de ouvido
roupas largas
sempre com um livro em mãos
mas acho que ela não os lia muito. porque observava demais todos em sua volta
desde crianças até adolescentes
os via brincando
discutindo
trocando carinhos
rindo
em grupos
ela não fazia parte disso
ela não tinha um grupo
e quando os professores dividiam a turma para trabalhos em grupo
ela era sempre a que sobrava
no começo engolia o choro e se juntava a quem mais sobrava
mas ao passar do tempo
não importava mais
ela sabia que não seria escolhida
ela sabia que ficaria sozinha
e estava lá
com os joelhos dobrados na carteira
provavelmente escrevendo poesia em seu caderno
esperando anunciarem a qual grupo ela seria inserida já que ninguém à escolheu
esquisita, estranha, anormal, triste, maluca
era o que pensavam dela
ou ao menos o que ela achava que pensavam
pouco lhe importava
na verdade,
ao observar o quão imbecis,
maldosos,
desinteressantes
e por fim apáticos
as pessoas eram
ela não podia não admitir que até que gostava de ser a "estranha e anormal"
havia uma coisa muito estranha ai
porque apesar de todos serem tão ruins, supérfluos e mal intencionados
ela se sentia inferior à todo mundo.
todos ali estudavam
estudavam para ser talvez médicos
advogados
dentistas
ou sabe-se-lá o que
mas ela não fazia ideia do quanto tempo conseguiria aguentar sem pôr fim à própria vida
então isso importava tanto à ela quanto aos demais.
as amizades eram sempre complicadas
estar com pessoas o tempo todo sugava-lhe as energias de maneira quase magnética
como se ela fosse uma bateria sendo descarregada
e não importava o quão boas fossem aqueles ao seu redor
ela precisava de muitos dias sozinha depois disso.
fez-se, assim
quase que um companheirismo
entre ela e ela mesma
que não poderia ser menos caótico, porém
poético
como toda a arte
eu soube que ela terminou o ensino médio
então nada mais de cabelos rosas na escola
mas ainda fico me perguntando
sobre tamanha figura
tamanho altruísmo desperdiçado
e se ela, enfim
encontrou a si mesma ou seja lá o que ela deseje fazer da vida.